terça-feira, 5 de agosto de 2014

O folklore escondido de Portugal em 'Breviário das Más Inclinações'

Este título foi irresistível para mim "Breviário das Más Inclinações", peguei no livro e virei-o para ler a contra-capa e o que li convenceu-me de imediato a levá-lo comigo para poder andar lá pelo meio das páginas. 

"'Depois de se ter deitado com um homem, lavava-se sempre numa infusão de folhas de arruda, apanhadas ao luar, e bebia tisanas com sementes de funcho e de sargacinha-dos-montes, para que as regras não lhe faltassem.' Assim começa este romance que narra a vida e a morte (aos 33 anos, como Jesus) de José de Risso, um homem de virtude que nasceu marcado nas costas com um sinal em forma de folha de carvalho. Pelo meio há o enorme lobo de Espadañedo, um lobisomem que descia da serra quando a Lua lhe estava de feição; há receitas de chás e de tisanas que curam do mau-olhado, da má-sina com as mulheres, dos amores infelizes, das galhaduras, dos maus pensamentos; há chás e tisanas que fazem recobrar os ímpetos aos homens; há também Purísima de la Concepción, a muito bonita e alegre viúva galega, de quem se dizia (sem se ter a certeza) que encomendara a morte do marido a um matador de touros andaluz a quem as mulheres casadas chamavam, com disfarçado fervor e muita paixão contida, Niño del Teso; há um circo de Saltimbancos com uma cigana de asas brancas que voa nua por cima do pátio da escola; há uma professora da Primária, muito nova e muito bonita, de quem se dizia que gostava de mais dos meninos; há refugiados espanhóis fugidos à Guerra Civíl que começou no dia de S. Camilo; há ricos contrabandistas de volfrâmio; há curas e milagres; há o fiel Lázaro, o cão; há uma mulher contorcionista que deita espuma verde pela boca; e há muito mais de um Portugal que lentamente vai desaparecendo. Traduzida em vários países, Breviário das Más Inclinações foi a obra que consagrou a internacionalização de José Riço Direitinho", foi o presságio da magia obscura do folklore português que encontrei nas traseiras daquele livro 

Talvez tenha sido a partilha do nome do autor com o personagem principal, José de Risso, que levou José Riço Direitinho a explorar a oculta história deste curandeiro popular, quase santificado, que nasceu com um sinal em forma de folha de carvalho nas costas. Este sinal é marca mais forte da sua sina, que se raiava de vermelho e chegava a sangrar cada vez que José de Risso punha em prática os seu condão milagreiro. Só sabemos que o curandeiro viveu entre 1923 e 1956 e morreu com a idade de Jesus. Quanto a Vilarinho dos Loivos, só sabemos que é uma aldeia raiana algures no noroeste de Portugal, com a sua existência fruto da ficção do autor, que deixa a localização exata ao imaginário de cada leitor.

O rapaz que protagoniza a história era, para todos os efeitos, um orfão. A sua mãe morreu no parto e o pai, caixeiro-viajante, só apareceu uma vez para plantar a semente na mãe ainda jovem e deslumbrada pela liberdade que experimentou naquela noite de bailarico na eira, na época da desfolhada. José vivia com a avó, que lhe ensinou uma boa dose da parte técnica de ser curandeiro, embora esse dom lhe corresse nas veias. Esse dom é tão vasto que não se pode dizer que José de Risso seja apenas um curandeiro nato, já que a força desta maldição ou benção, cada um que o interprete, é tanta que o rapaz a usa inconscientemente ao sabor dos seus humores, curando milagrosamente ou destruindo de forma implacável.

"Breviário das Más Inclinações" foi editado pela primeira vez há 20 anos, mas só recentemente encontrei esta reedição da Quetzal, sem a qual nunca teria conhecido este saboroso conto, escrito em linhas de um sobrenatural muito ténue, densamente mascarado com rasgos de uma tradição tão genuína que já nem os portugueses de hoje conhecem, mas com a qual inconscientemente se identificam. Pelo menos, esse foi o meu caso.


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